Brasília – No Dia Internacional das Doenças Raras, lembrado hoje (28), especialistas estimam que cerca de 15 milhões de brasileiros têm alguma das cerca de 8 mil síndromes catalogadas como raras. Neurofibromatose, mucopolissacaridose, síndrome de Gaucher, esclerose lateral amiotrófica e leucoencefalopatia multifocal progressiva são exemplos dessas patologias.
Em entrevista à Agência Brasil, o professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), Natan Monsores, criticou o tempo de espera enfrentado pela maioria desses pacientes para serem acolhidos no sistema de saúde. “O tempo de diagnóstico demora algo em torno de três a cinco anos. O itinerário de diagnóstico do paciente é muito longo”, contou.
Ele acredita que 70% dos problemas relacionados às doenças raras seriam resolvidos por meio de um sistema claro de informações sobre essas síndromes. “Boa parte dos pacientes fica perdida dentro do SUS [Sistema Único de Saúde] por não saber ao certo que especialista buscar, onde são os centros de referência”, disse Monsores.
Segundo ele, a falta de informação acaba resultando no que muitos médicos chamam de paciente especialista, já que algumas pessoas afetadas pelas síndromes passam a conhecer mais o problema que os próprios profissionais de saúde. Ele lembrou que pacientes e parentes se reúnem pela internet e por meio de associações para trocar informações, por exemplo, sobre tratamentos disponíveis.
O professor destacou que há uma judicialização excessiva no campo das doenças raras. “Pelo fato de esses pacientes terem doenças muito peculiares, eles são alvo de incursões da indústria farmacêutica. A gente sabe disso por relato de pacientes que são assediados por advogados para que entrem na Justiça com processos contra o governo para obter medicamentos”, relatou.
O presidente da Associação MariaVitória, Reginaldo Lima, confirma a ausência de informação dentro do próprio sistema de saúde. Morador de Brasília e pai de uma menina com neurofibromatose, ele passou quatro anos em busca do diagnóstico da filha. Diagnosticada no Rio de Janeiro, ela chegou a ser transferida para Belo Horizonte (MG) e, há duas semanas, está sendo tratada na capital federal.
“Falta mostrar aos médicos onde estão os centros de referência de cada especialidade, para que eles repassem aos pacientes. Descobri o tratamento na minha cidade por meio de outros pais. Imagina como é para quem mora no interior”, completou.
Regina Próspero, presidente da Associação Paulista dos Familiares e Amigos dos Portadores de Mucopolissacaridose, só conseguiu o diagnóstico do filho depois de perder o mais velho para a doença. Mesmo assim, o menino só conseguiu iniciar o tratamento muitos anos depois, já que não havia tratamento para a mucopolissacaridose disponível no país.
“Estamos muito aquém do que deveríamos. Precisamos efetivar uma política pública específica para as doenças raras. Hoje, os pacientes são tratados como um qualquer, mas são características específicas, não dá para tratar como uma doença de saúde coletiva”, explicou. “A sociedade também precisa participar. A maioria das pessoas acredita que uma doença rara não pode ocorrer em sua casa, mas pode. Ninguém está livre e todos devem ter direito à vida”.
O Ministério da Saúde anunciou nessa quarta-feira (27), em seminário na Câmara dos Deputados, que vai colocar em consulta pública nas próximas semanas dois documentos que deverão dar origem a uma política pública específica para pessoas portadoras de doenças raras.
Ministério da Saúde anuncia breve política específica para doenças raras no âmbito do SUS
O Ministério da Saúde colocará em consulta pública nas próximas semanas dois documentos que deverão dar origem a uma política pública específica para pessoas portadoras de doenças raras. A proposta é criar uma rede de atendimento integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Segundo o coordenador Geral de Média e Alta Complexidade do Ministério, José Eduardo Fogolin, os dois documentos estão em fase de conclusão por um grupo especial de trabalho formado por integrantes da Pasta da Saúde, especialistas, pesquisadores e entidades de portadores de doenças raras.
Fogolin representou o ministro Alexandre Padilha e integrou a mesa de abertura do seminário que celebrou o Dia Internacional das Doenças Raras, na Câmara dos Deputados, em Brasília. O evento foi coordenado pelo deputado Federal Romário (PSB-RJ) e articulado pela Associação Mariavitória (Amavi).
O Diretor-Presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Dirceu Barbano, disse que espera publicar até o próximo mês norma para agilizar a aprovação de medicamentos para o tratamento dessas doenças e também decidir sobre a autorização para que pacientes possam utilizar medicamentos ainda em fase de pesquisas, o chamado “programa de uso compassivo”.
Segundo José Eduardo Fogolin, após consulta pública, os dois documentos irão originar uma portaria do Ministério da Saúde que implantará a política específica sobre doenças raras. “Esta política vai além do simples tratamento. Está inserida no contexto de rede de atendimento, com prevenção, diagnóstico precoce, encaminhamento de pacientes para centros especializados em doenças raras”, disse.
O deputado Romário lamentou a falta do ministro ao evento e enfatizou que o governo federal deve maior atenção ao levantamento e a disseminação de informações sobre doenças raras. A falta de informações mais detalhadas, segundo ele, dificulta a atenção aos pacientes, expõe essas pessoas e familiares ao sofrimento, preconceito e a uma “odisseia diagnóstica”, uma vez que nem os profissionais médicos dispõem de dados suficientes para realizarem diagnósticos precisos. O deputado disse ainda que a política governamental deveria seguir o exemplo da relacionada ao combate a proliferação da Aids.
Fogolin garantiu que a política universal do SUS para doenças raras privilegiará o levantamento de dados sobre o tema. Segundo ele, estão catalogadas no Brasil 8.000 doenças raras.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) falou sobre suas propostas de criar o Dia Nacional das Doenças Raras no sentido de gerar mobilização de conscientização da sociedade sobre o tema, bem como da criação de um fundo nacional de pesquisas em doenças raras, com orçamento anual de R$ 50 milhões.
O ator Luciano Szafir e várias autoridades também marcaram presença, como os senadores Cássio Cunha Lima e Ana Amélia, os deputados Darcísio Perondi, Tiririca, Maurício Quintela (presidente da Frente Parlamentar das Doenças Raras), Rosinha da Adefal e Mara Gabrilli.